Pelas palavras do director da Courrier Internacional, Fernando Madrinha. Na sua crónica habitual no Jornal Expresso. Vale mesmo a pena ler. Texto completo:
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Um monte de sarilhos
Basta olhar para D. José Policarpo, conhecer minimamente o seu percurso e tê-lo ouvido ou lido em entrevistas nos media para qualquer um perceber que está perante o oposto de um incendiário. A imagem e a vida do patriarca de Lisboa, a par da forma como tem desempenhado o seu cargo, são testemunho bastante de que estamos perante um homem de tolerância e diálogo, que não precisa de justificações nem de defesa para compor esse perfil. Aliás, no seu alerta às jovens para os casamentos com muçulmanos, feito numa espécie de conversa de café - ou de casino, como foi precisamente o caso - pressente-se até alguma bonomia irónica. Se pretendesse dar peso e solenidade ao seu 'aviso', certamente não recorreia a uma expressão como "monte de sarilhos", nem poria Alá no lugar da palavra que os católicos usam para falar de Deus.
Dir-se-á que, na posição em que se encontra, D. José Policarpo deve ter sempre presente o que se passou com o Papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona e evitar este tipo de considerações em público. É verdade. Mas os patriarcas - e, pelos vistos, até o Papa - também cometem erros de avaliação quanto ao efeito das suas palavras. Não admira, aliás, que tal aconteça, porque estão vigiados e escrutinados à lupa pela lógica do medo, ou do 'ai, que os muçulmanos ofendem-se!' com que a esquerda sectária e outros sectores e organizações influentes na política e nos media hoje disfarçam, se bem que mal, a sua militância ardente contra a Igreja Católica e todos os valores que esta defende.
Isto quando nenhuma voz se levanta e muito menos se indigna com o que dizem sobre os cristãos e a cultura ocidental certos imãs fundamentalistas que não fazem senão apelos directos e inflamados ao ódio. Incluindo em países europeus onde o Islão é ultraminoritário. Esses, sim, contribuem para envolver o mundo num "monte de sarilhos", mas não há jornal que os critique, ou televisão que os aponte. Nem a esquerda bem pensante levanta a voz para lhes denunciar o fanatismo.
Felizmente não há, que se saiba, clérigos desses em Portugal. E os líderes da comunidade muçulmana, apesar de quase empurrados pelo frenesim mediático para uma reacção com dureza, tiveram, neste caso como noutros já passados, a serenidade e o bom senso de relativizar o que só podia e devia ser relativizado. Se o fizeram foi certamente porque conhecem e respeitam o patriarca de Lisboa e o seu trabalho. Talvez mais e melhor do que muitos que, de forma oportunista, se armam em advogados dos muçulmanos sem terem procuração para tal.
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