Dois dos grandes desafios que se colocam ao sistema de saúde em Portugal são a redução do desperdício, sem comprometer a qualidade de serviço, e a redefinição do papel dos hospitais no sistema de saúde, em linha com os desenvolvimentos recentes nos cuidados de saúde primários e nos cuidados continuados integrados.
Ao longo das últimas décadas, a despesa em saúde do país tem crescido sistematicamente, tanto per capita como em percentagem do PIB, sem que tal se traduza em melhorias significativas no estado de saúde geral da população. Por exemplo, de acordo com dados da OCDE, em cinco países com um nível de vida semelhante (Irlanda, República Checa, Israel e Coreia do Sul), Portugal é o que mais gasta em saúde (per capita), mas o segundo pior em mortalidade infantil e o penúltimo em esperança média de vida.
As medidas recentemente anunciadas (aqui e aqui ), num contexto de necessidade imediata de controlo da despesa, visam diminuir os custos e combater o desperdício, configurando alguma mudança de rumo relativamente às políticas dos últimos anos. De facto, as reformas mais recentes no sector da saúde visam melhorar o desempenho do sistema, sendo a contenção de custos um resultado desejado, mas não o principal objectivo ou meio de actuação. Entre estas reformas, incluem-se as parcerias público-privadas (PPPs) para novos hospitais, alterações na estrutura de gestão dos hospitais, mudanças no sector do medicamento, a reorganização dos cuidados de saúde primários e o desenvolvimento da rede de cuidados continuados.
É interessante verificar que melhor saúde significa menor necessidade de utilizar recursos, e que o caminho percorrido até agora pode permitir que daqui a dois, cinco e dez anos, quando os resultados das medidas de austeridade tiverem de ser visíveis, não observemos uma diminuição dramática no nível e qualidade dos cuidados prestados, mas antes uma melhoria na eficiência de utilização dos recursos necessários à prestação de cuidados de saúde, e uma melhoria dos indicadores globais do estado da Saúde dos Portugueses.
É possível identificar três factores fundamentais para a obtenção desse final feliz: (1) terminar a reforma dos cuidados primários e o desenvolvimento da rede de cuidados continuados, reduzindo, assim, a pressão sobre os cuidados hospitalares;(2) estabelecer regras e incentivos adequados aos vários níveis de cuidados; (3) ter particular atenção ao modo como são comunicadas as mudanças que impliquem quebras de acesso (como o encerramento de equipamentos de saúde ).
Os cuidados de saúde primários sofreram alterações profundas, com a implementação das Unidades de Saúde Familiares (USF) e equipas multidisciplinares formadas voluntariamente, com o objectivo de melhorar a prestação de cuidados de saúde à população. Os elementos essenciais desta reforma são a proximidade à população e o sistema de remuneração baseado no desempenho da equipa. Neste caso, como em tantos outros no sector da saúde, o facto de quem paga (o Estado, na maior parte dos casos) não ter controlo sobre a despesa obriga a ajustar os incentivos dados aos prestadores (o médico, hospital, etc), para evitar a perda de controlo nos custos, mantendo ou até melhorando a qualidade do serviço.
A aposta na continuação do desenvolvimento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados vai ao encontro dos objectivos de prestação dos cuidados de saúde de uma forma mais próxima da população, dando uma resposta integrada às suas necessidades, reduzindo ao mesmo tempo a pressão sobre os Hospitais, vocacionados para o tratamento de situações agudas.
Como aconteceu no passado, há um risco permanente de que muitas das reformas não se traduzam em mudança real, e levem a efeitos inesperados, por exemplo no caso dos cuidados continuados. Contudo, é possível prever que a substituição de camas de internamento em Hospitais de cuidados agudos por camas de reabilitação e cuidados paliativos na rede de cuidados continuados integrados ajude ao controlo do aumento da despesa e até contribua para a sua diminuição. Será que a resistência à diminuição do número de camas hospitalares poderá impedir a concretização deste objectivo? Para já, não há uma resposta clara. O mesmo se pode dizer relativamente às reformas nos cuidados de saúde primários. Para a grande maioria das reformas em curso, ainda é cedo para perceber o nível de sucesso alcançado, e mais cedo ainda para as medidas de contenção de despesa agora anunciadas. O desafio é grande, principalmente ao nível da implementação. Mas mais uma vez se confirma que as crises são de facto oportunidades, e o potencial para a melhoria da saúde da população e do desempenho do sistema de saúde ao longo dos próximos anos é real.
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